Por Danielle Reis[1]
O Cadastro Ambiental Rural – CAR, criado pela Lei n° 12.651, de 25-05-2012, que instituiu o Código Florestal, é o registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para todos os imóveis rurais, com a finalidade de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais. Objetiva-se com o mesmo a composição de base de dados para controle, monitoramento, planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento, pelo órgão público.
Por meio do cadastro, os órgãos ambientais dos Estados poderiam verificar se há algum passivo referente à Reserva Legal, Área de Preservação Permanente – APP e Área de Uso Restrito que precisa ser corrigido pelo produtor.
Apesar desta criação ser tida como um avanço e o cadastro ter sido considerado um importante instrumento para a preservação e recuperação de “áreas verdes”, em meados de junho deste ano a inscrição no CAR foi, mais uma vez, prorrogada. O adiamento desta vez se deu pela Lei nº 13.295, de 14-06-2016[2].
Nos termos do art. 4° da Lei alteradora, o CAR será obrigatório para todas as propriedades e posses rurais, devendo ser requerida até 31/12/2017, prorrogável por mais 1 (um) ano por ato do Chefe do Poder Executivo. Após a data, as instituições financeiras só concederão crédito agrícola, em qualquer de suas modalidades, para proprietários de imóveis rurais que estejam inscritos no CAR.
Ocorre que a exigibilidade prorrogada do CAR divide opiniões.
Segundo o Observatório do Código Florestal[3], que é desfavorável a prorrogação, tal ato “gera insegurança jurídica e descrédito ao Novo Código Florestal”. Numa tentativa frustrada de barrar a nova regra, o Observatório enviou, aos cuidados do Presidente da República em exercício, o Ofício n° 05/2016 – OCF no qual fora solicitada a não ampliação do prazo de inscrição. Abaixo segue reprodução[4] parcial do referido ofício:
Com a prorrogação, a agricultura brasileira enfrentará desgaste perante mercados e investidores internacionais e terá dificuldades na implementação de compromissos de cadeias de valor livres de desmatamento firmados por empresas compradoras. Em relação à política externa, a prorrogação do CAR influiria negativamente no cumprimento de acordos internacionais, em particular das metas brasileiras para redução de emissão de gases de efeito estufa, abalando a imagem e reputação do País (OBSERVATÓRIO, 2016. Página 02).
Pelo exposto, pode-se interpretar que a insegurança jurídica e descrédito com a real exigibilidade do CAR é justificada pelas sucessivas prorrogações dos prazos que o coloriam como um instrumento obrigatório. Inclusive, necessário reforçar que o próprio Governo Federal afirmou quando adiou a inscrição pela primeira vez, que não haveriam outras prorrogações.
A então Ministra do Meio Ambiente, Sra. Izabela Teixeira, após o Senado aprovar a prorrogação, disse que vetaria a propositura. Ocorre que a Ministra foi substituída e o adiamento entrou em vigor.
Questiona-se então: qual é o benefício para aqueles que priorizaram sua inscrição?
O atual Ministro nomeado para assumir o Ministério do Meio Ambiente, Sr. Sarney Filho, em defesa da norma sancionada, afirmou que o CAR enfrenta problemas não do Cadastro, e sim no que diz respeito ao seu uso e estes precisam ser resolvidos antes de uma cobrança efetiva. Em entrevista concedida ao Canal Rural[5], o Ministro afirmou que:
Os Estados têm cadastrado milhares de propriedades, mas na hora de dizer aquilo que é válido, aquilo que está legalizado, que é possível, não chega a dez. Então essas distorções fazem com que essa questão da prorrogação se torne menor. Eu acho que o importante é que o CAR funcione como um instrumento do desenvolvimento socioambiental. Então nós não vamos nos opor a essa prorrogação porque entendemos que esse não é o cerne do problema, não é o prazo. O CAR precisa ser bem feito, processa servir para aquilo que a lei determina. (Grifos nossos), (CANAL RURAL, 2016).
Pode-se inferir que a defesa pela prorrogação evidencia, de fato, insegurança jurídica, assim como declarado pela parte que requereu a não prorrogação. Tal insegurança se dá porque, como o próprio ministro declarou, “o CAR ainda não funciona como um instrumento”. Resta-nos a dúvida de como isso é possível, uma vez que já se passaram quatro anos de vigência do Código Florestal.
Considerando que o referido Código foi promulgado no ano de 2012, as discussões acerca da norma e de seus instrumentos, inclusive o CAR, aclaram o despreparo do sistema brasileiro, seja por quem elabora as normas, ou por quem a colocará em prática.
O “desgaste perante mercados e investidores internacionais”, afirmado pelo Observatório do Código Florestal, pelo qual a agricultura brasileira enfrentará é justificável. Além desta questão, a impressão passada é que os prazos nunca precisam ser cumpridos à risca. O famoso “jeitinho brasileiro” prevalece.
Em virtude dos fatos levantados, tem-se que as políticas brasileiras e obrigações estabelecidas precisam ser melhor geridas. Não se trata de divisão de opiniões, e sim de necessário planejamento.
[1] Danielle Fernandes Reis é advogada especialista na área de meio ambiente, atuante nas áreas de Direito Ambiental, Direitos Constitucional, Direito Administrativo e Direito Civil e Técnica em Meio Ambiente.
[2] A nova lei é resultado da Medida Provisória 707/2015, que foi aprovada pelo Congresso com dispositivos que também ampliavam a renegociação de dívidas de crédito rural. Esses trechos, porém, foram todos vetados por Temer, que já editou uma nova MP, a de número 733, para tratar do tema. O novo texto permite a liquidação e renegociação de dívidas de crédito rural contraídas até 2011 por produtores do Nordeste e norte dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Informação disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/agronegocio/agricultura/cadastro-ambiental-rural-e-prorrogado-ate-dezembro-de-2017-d0dbgk5zl4ynykc2p6zlz2w02>. Acesso em junho de 2016.
[3] O Observatório do Código Florestal foi criado em maio de 2013 por sete instituições da sociedade civil – Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), WWF-Brasil, SOS Mata Atlântica, Instituto Centro de Vida (ICV), The Nature Conservancy (TNC), Conservação Internacional (CI) e Instituto Sociambiental (ISA) – e tem como objetivos monitorar a implementação da nova Lei Florestal (Lei Federal 12.651/12) em todo o país. E sobretudo acompanhar o desempenho dos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) e de seu principal instrumento, o Cadastro Ambiental Rural (CAR), com a intenção de mitigar os aspectos negativos do novo Código e evitar novos retrocessos. Informação disponível em: <http://www.observatorioflorestal.org.br/pagina-basica/o-observatorio-do-codigo-florestal>. Acesso em junho de 2016.
[4] OBSERVATÓRIO DO CÓDIGO FLORESTAL. Ofício n° 05/2016 – OCF. Disponível em: < http://www.observatorioflorestal.org.br/sites/default/files/files/Of%C3%ADcio%20OCF%20Presidencia%20Republica%20-%20prorroga%C3%A7%C3%A3o%20CAR.pdf>. Acesso em junho de 2016.
[5] CANAL RURAL. Ministério do Meio Ambiente vai acatar prorrogação do CAR para todos agricultores. Disponível em: <http://www.canalrural.com.br/noticias/codigo-florestal/ministerio-meio-ambiente-vai-acatar-prorrogacao-car-para-todos-agricultores-62129>. Acesso em junho de 2016.