Sou de Brumadinho. Minha casa fica lá. Por sorte não foi atingida, mas poderia ter sido. Essa frase “poderia, mas não foi” causa sentimentos conflitantes dentro de mim. Me dá um alívio por saber que tudo o que conquistei nesses anos todos, toda a minha história, ainda continua preservada. Que as pessoas que amo estão sãs e salvas. Que todos os dias ainda vou poder vê-las, dar um abraço, desejar bom dia, ir trabalhar, voltar, e saber que, de um modo ou de outro, todos ainda estão ali.
O alívio, entretanto, vem junto da tristeza. Tantas e tantas famílias não poderão mais ter o privilégio que tenho. Aquele pedaço de terra que chamavam de seu está debaixo de 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro. Suas plantações, seus animais, suas casas, seus móveis, tudo hoje está soterrado por lama e mais lama. Inclusive 276 corpos que continuam desaparecidos. Soma-se a isso as 84 mortes confirmadas até o momento.
Desde sexta-feira, você já parou para pensar sobre isso? E se fosse você, se fosse um membro da sua família que ainda estivesse desaparecido, se fossem as suas coisas que tivessem sumido no mar de lama? Como você reagiria?
Conseguir pensar sobre isso revela sua empatia. A empatia é definida como a “capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Consiste em tentar compreender sentimentos e emoções, procurando experimentar de forma objetiva e racional o que sente outro indivíduo”. Ou seja, significa saber se colocar no outro.
A empatia leva as pessoas a ajudarem umas às outras
E pelo que eu e minha equipe pudemos ver de perto, as pessoas em Brumadinho só querem ajuda, de todas as formas. Nós fomos até lá, como Verde Ghaia, empresa na qual sou presidente há mais de 20 anos, porque o trabalho que realizamos tem tudo a ver com o que deveria ter sido feito para evitar esse tipo de tragédia.
A Verde Ghaia é uma empresa mineira, localizada em Belo Horizonte, cuja atividade está diretamente ligada às questões ambientais: trabalhamos com sistemas de gestão, seja ambiental ou empresarial, com monitoramento de leis e requisitos legais e com inspeção técnica.
Para além de pensar que poderia ter sido eu, minha família ou minha casa que pudessem ter sido atingidas, poderia ter sido minha empresa a responsável por toda essa tragédia, poderia ser eu como presidente, poderia ser meus consultores, poderia ser meus diretores. Poderia, mas não foi. E se fosse, tenho a mais absoluta certeza que não atestaríamos segurança em algo que realmente não fosse seguro. Uma das nossas premissas e diretrizes é seguir rigorosamente todas as leis e procedimentos exigidos. E assim fazemos, é por isso que nossos clientes mantém a qualidade e a segurança das suas atividades.
Mesmo tendo esse compromisso com nossos clientes e com a sociedade, fiz com que minha equipe fosse até lá para ver de perto o que a infração de qualquer norma ou lei pode causar. O que viram foi desolador, muito triste, e mexeu com todos eles. Em Brumadinho só se vê lama, gente chorando por todos os lados, desesperadas por qualquer notícia que possam ter de ser familiares, muitos não fazendo ideia do que fazer ou para onde ir. Estão perdidas, quase sem notícias – até agora, apenas 42 corpos foram identificados. 176 pessoas estão desalojadas, sem ter de onde tirar mais o seu sustento, e a maioria sem entender nada do que vai acontecer daqui para frente.
Obrigações devem ser feitas com base na prevenção
Por mais que a Vale tenha errado, hoje, ela está fazendo o que lhe cabe de obrigação depois de ter acontecido a tragédia. A empresa vai estabelecer 7 pontos de acolhimento para as vítimas.
Nestes locais, deve haver psicólogos, assistentes sociais, médicos e enfermeiros, além de alimentação para a população presente. Também deve haver atendimento em relação a direitos trabalhistas e outros direitos na esfera jurídica. Todos devem receber transporte para esses locais de acolhimento e para o IML.
Além disso, vai se iniciar hoje também o cadastramento das famílias atingidas para o recebimento de R$100 mil reais cada uma. Segundo a Vale, esse dinheiro não é referente à indenização. Isso será outra história. A empresa também anunciou que irá acabar com as barragens iguais a de Brumadinho e de Mariana.
Isso tudo que a Vale está fazendo será suficiente? Não sei, mas melhor que isso do que não fazer nada. Pelo menos ela já está oferecendo mais coisas do que na tragédia de 2015, em Mariana. E também mais dinheiro dela já foi bloqueado para garantir os reparos dos danos ambientais e para as indenizações e cuidados com as famílias atingidas: em torno de R$ 11,8 bilhões.
Trabalho de Bombeiros e Voluntários
Os trabalhos dos bombeiros e voluntários também precisam ser exaltados. Eles são os verdadeiros heróis disso tudo. Sabemos que as chances de ainda encontrar algum sobrevivente são mínimas, mesmo assim, as buscas continuam. São 320 bombeiros trabalhando incansavelmente na área atingida. Graças ao trabalho e esforço de cada uma dessas pessoas, 192 sobreviventes foram resgatados e outros 391 foram localizados.
Os bombeiros continuam por lá, os helicópteros continuam sobrevoando toda a região, cães continuam farejando para encontrarem qualquer indício de alguém que ainda possa ter resistido. Ou que ao menos encontrem os corpos dos desaparecidos, para que as famílias possam dar um enterro digno, se despedir de seus familiares e dar um último adeus a cada uma das pessoas que amam, mas que foram levadas, de repente e sem aviso, por um mar de lama de rejeitos.
A população atingida pelo rompimento da barragem só precisa de ajuda e alguns insistem em não ver isso. 400 policiais já foram deslocados para a cidade de Brumadinho e à zona rural para evitar saques. Sim, algumas pessoas estão se aproveitando que muitas casas e propriedades estão sem ninguém para roubarem o pouco que ainda restou. Isso é inacreditável!
Críticas a ajuda de Israel nas redes sociais
Quanto à Israel, cansei de ver críticas nas redes sociais relacionadas à atuação deles em Brumadinho. Em vez de as pessoas conseguirem se colocar no lugar das famílias atingidas pela barragem, que além de perderam tudo o que tinham, perderam as pessoas que amavam, elas preferiram criticar quem se dispôs a ajudar.
Os israelenses trouxeram esperança para a população. Uma luz no fim do túnel para todas aquelas pessoas que esperavam localizar quem ainda lutava pela vida. Ou seriam capazes de localizar onde podiam estar os corpos soterrados. Infelizmente os materiais que trouxeram não foram suficientes para o tipo de tragédia que aconteceu em Brumadinho. Mas pelo menos vieram ajudar, se dispuseram a buscar por sobreviventes ou vítimas, fazendo o que era possível dentro de suas possibilidades.
Existem ainda aqueles que querem politizar um tema que não é politizável. “Ah, mas a culpa é desse partido, ou é daquele político, ou desse ou daquele governo”. Parem com isso, por favor! Uma tragédia não tem lado político. Uma tragédia não é de esquerda ou de direita. Uma tragédia não é disputa de ego para demonstrar que meu político é melhor que o seu. Como é triste ver tantas e tantas pessoas tentando politizar um assunto que jamais deveria ser politizado! Em vez de culpar um partido ou outro, que tal se colocar no lugar de cada família que perdeu um ente querido? E se fosse com você? Ia querer ajuda para amenizar a dor e para ter esperança de que pode recomeçar ainda, ou ia ficar discutindo em rede social qual político fez ou o que?
Muitas vidas foram perdidas e sabemos que não há um culpado apenas. Os responsáveis estão averiguando e vão identificar quais são todas as pessoas que tem culpa nessa tragédia. Não somos nós que faremos isso.
Existem culpados, inclusive já falei sobre isso em um outro texto que escrevi logo após saber do desastre. É claro que existem, mas ainda não sabemos quem e nem o grau da culpa que possuem. Com certeza eles também devem ser punidos. Aliás, alguns já estão em prisão temporária: dois engenheiros da própria Vale, um geólogo, um gerente de meio ambiente e um gerente executivo de uma empresa que presta serviço para a Vale. Eles eram os responsáveis por atestarem a segurança da barragem.
Ela definitivamente não era segura, caso contrário não teria rompido. Então sabemos que ao menos esses profissionais têm alguma parcela de culpa nessa história toda. E sabemos também que não são só eles. Logo outros surgirão. Fica a questão: Isso vai diminuir a dor das famílias que perderam seus entes queridos?
Considerações Finais
Portanto, em vez de oferecer críticas que não levam a lugar algum, vamos oferecer ajuda, dar conforto, alento e esperança. Da maneira que você puder, com a crença que você tiver. E se você não quer ou não pode ajudar, então pare de criticar quem está tentando fazer a sua parte. Vamos começar a ver essa tragédia como uma oportunidade para se praticar a empatia, uma característica cada vez mais rara nos dias de hoje.
Que essa tragédia nos dê algumas lições. Que possamos dar mais valor ainda para as pequenas coisas, especialmente para aquelas que não têm preço, como dar um abraço em quem você ama, ou escutar a voz falando que está tudo bem e que logo está chegando. Que sejamos capazes de olhar para nós mesmos, olhar para aquilo que a gente faz e ter mais responsabilidade. Que possamos valorizar mais o ser humano, mais o nosso vizinho, entender mais o que está acontecendo. Vamos repensar nosso papel social diante disso tudo.
E se de algum modo seu trabalho tem a ver com sistemas de gestão, segurança, inspeção técnica, auditorias ou qualquer questão que envolva a segurança das pessoas e do meio ambiente, faça-o com muito mais responsabilidade a partir de agora. Cuidado com o Menor preço. Muitas vidas, muitas famílias, muitas histórias e muitos sonhos dependem do seu trabalho. Leve ele muito a sério.
Deivison Pedroza/ CEO do Grupo Verde Ghaia.
Fonte imagem: Razões para acreditar. Mais de 7 mil voluntários irão ajudar vítimas da tragédia em Brumadinho. Disponível em: <https://razoesparaacreditar.com/colaboracao/voluntarios-ajudar-vitimas-brumadinho/>. Acesso em janeiro de 2019.
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